O que é essa doença com esse nome curioso?

Dedo em gatilho é uma doença que ocorre nos dedos e causa dor e travamento deste em uma determinada posição. Seu nome mais científico é a tenossinovite estenosante. Dedo em gatilho é mais fácil né? Para compreender de verdade a doença precisamos entender o que é uma polia e o que ela tem haver com a doença.

Polia: são estruturas utilizadas para direcionar forças de modo que seja possível desviar a trajetória ou diminuir o esforço necessário para movimentar uma carga, como o exemplo da foto.

Excelente, mas o que isso tem haver com a doença? Nossos dedos tem um complexo sistema de polias que mantém os tendões flexores (que fecham os dedos da mão) próximos ao osso e tornam a contração muscular mais eficiente em gerar movimento dos dedos.

Como podemos ver na imagem existem várias polias em um dedo, cada uma com diferentes formatos e nomes, A1, C2, A3 e por aí vai. A polia de interesse no caso dessa doença é a polia A1, preste bem atenção nela, é a primeira polia de todas e fica bem em cima da articulacão metacarpofalangeana (a primeira articulação dos dedos). Pois bem, a causa da doença está nessa polia. Inicialmente, ocorre uma inflamação no local e com o passar do tempo essa inflamação vai tornando a polia mais espessa e apertada dificultando a passagem do tendão por dentro dela. Em determinado momento da doença, o tendão passa pela polia e tem dificuldade para voltar, causando o travamento do dedo. Se o paciente aplicar mais força para esticar os dedos, uma hora a força vence a resistência da polia e o tendão volta de forma abrupta, causando o engatilhamento característico da doença. Em casos mais severos, o dedo só volta com auxílio da outra mão para puxar o dedo de volta.

Agora que já entendi o que é o dedo em gatilho gostaria de saber o que causa o aparecimento da doença.

O dedo em gatilho, como a maioria das doenças na medicina, é multifatorial. Isso quer dizer que não existe uma causa única. Ela ocorre em indivíduos sucetíveis, e está associada com uso da mão para pegar objetos pesados, com força ou movimentos repetitivos. Entretanto não é considerada uma doença ocupacional, ou seja não é causada apenas por um determinado tipo de trabalho. É mais comum em mulheres que em homens, tem seu pico de aparecimento de 55 aos 65 anos de idade, mais comum na mão dominante e frequentemente aparece associada com Síndrome do tunel do carpo ou tendinite de De Quervain.

A doença pode ocorrer em qualquer dedo e é dividida em 4 grupos:

  • No grupo 1 estão os pacientes com pré-engatilhamento. Esses pacientes apresentam dor no local e uma história de engatilhamento mas que não é demonstrável durante a consulta, ou seja não ocorre toda hora.
  • No grupo 2 o paciente é capaz de demonstrar o engatilhamento e consegue ativamente esticar o dedo sem auxílio da outra mão
  • No grupo 3 existe o engatilhamento demonstrável e o paciente só consegue esticar os dedos de forma passiva, com auxílio da outra mão.
  • No grupo 4 o paciente fica com o dedo travado em flexão e não consegue esticar o dedo de nenhuma forma (mais raro).

Como tratar?

Agora vamos a parte que interessa: como tratar a doença. O dedo em gatilho muitas vezes requer cirurgia, entretanto pode ser tentado tratamento conservador antes, principalmente se os sintomas são recentes. Nos casos de longa data é mais provável a necessidade da cirurgia. O tratamento conservador se divide em 2 tipos principais: Uso de órteses para imobilização e infiltração com corticoides. Fisioterapia não apresenta evidencia científica de melhora nessa doença, exceto nos casos iniciais. A imobilização com órtese pode ser utilizada de forma intermitente por algumas semanas no intuito de acalmar o processo inflamatório e diminuir o uso do dedo, sendo eficaz nos casos iniciais. A infiltração da bainha do tendão com corticoides tem boa evidencia científica de melhora em uma parcela significativa dos pacientes e pode evitar a cirurgia com mínimo risco de complicações. Portanto, vale a pena ser tentada antes da cirurgia em muitos casos. Podem ser tentadas uma ou duas infiltrações, e caso não apresente melhora, a cirurgia torna-se a melhor opção com excelentes resultados.

Agora que você já entendeu o que é dedo em gatilho vamos ver em detalhes como é a cirurgia para tratamento dessa doença, quais os riscos e como é a reabilitação.

Como é feita a cirurgia exatamente?

A cirurgia inicia com um corte na palma da mão de 1 a 1,5 centímetros de comprimento, com localização diferente a depender do dedo acometido. Na figura abaixo são mostradas as possíveis incisões utilizadas. A gordura subcutanea é afastada, até encontrar a polia A1, lembra dela? Ele está representado por essa estrutura em cima do tendão flexor na imagem. Pois bem, após encontrado a polia A1, é realizado um corte nessa estrutura para que o tendão possa correr livremente, com cuidado para não danificar os nervos digitais que passam dos lados do tendão. Depois de liberado o tendão é realizada sutura da pele. O procedimento todo dura em torno de 20 minutos. A anestesia pode ser feita de forma local com sedação (remédio para dormir apenas, sem necessidade de intubação), o que diminui o risco de complicações anestésicas, ou pode ser feita ainda acordado com anestesia local, sem sedação.

Mas pera aí, eu estava atento e vi na página sobre o dedo em gatilho que as polias são importantes para manter o tendão próximo ao osso e tornar a contração muscular mais eficiente em movimentar os dedos. Essa polia não vai fazer falta? Muito bem, o raciocínio está correto, entretanto como será liberada a polia A1, as outras polias irão dar conta do recado e não ha nenhuma repercursão funcional em liberar a polia A1.

Cicatriz

Na figura podemos ver as incisões, perceba que normalmente é possível realizá-las nas pregas da palma da mão o que torna a cicatriz bastante estética, algumas vezes quase imperceptíveis. Entretanto, a cicatriz depende da propensão genética de cada indivíduo e da técnica de sutura, portanto varia de pessoa a pessoa.

Veja abaixo os riscos da cirurgia e suas possíveis complicações (são semelhantes a cirurgia para síndrome do túnel do carpo, com algumas peculiaridades)

Quais são os principais riscos da cirurgia?
  • Infecção. Esta complicação pode ocorrer em qualquer procedimento cirúrgico. Nesta cirurgia especificamente o risco é em torno de 0,4%, ou seja, a cada 1000 pessoas que fazem a cirurgia 4 apresentam esta complicação. Caso ocorra, a maioria das vezes é resolvida com antibióticos orais, sem necessidade de nova cirurgia.
  • Lesão neurovascular.  Essa é a complicação que se deve tomar o maior cuidado durante a cirurgia. Os nervos digitais passam próximos a polia A1 e deve se ter muito cuidado para não lesá-los ao liberar a polia, principalmente no polegar onde a proximidade é ainda maior.  Nem sempre isso ocorre por erro médico, algumas pessoas possuem variações da anatomia, ou outras doenças que alteram a localização das estruturas. Contudo, quando realizada cuidadosamente por profissional treinado na área sua ocorrencia é rara (menos de 0,1% das cirurgias)
  • Riscos da anestesia. Neste caso o risco é muito baixo devido ao pequeno porte da cirurgia. Normalmente a anestesia é local com uma sedação (remedio para relaxar e dormir), sem necessidade de intubação. Nos casos de cirurgia acordado com anestesia local apenas, o risco da sedação é eliminado.
  • Cicatriz dolorosa. Incidência em torno de 2%. Pode resolver com massagem cicatricial ou espontaneamente. Mais raramente, pode se desenvolver uma síndrome dolorosa complexa. Nesse caso, deve ser tratado com fisioterapia e medicações. É três vezes mais comum em mulheres.
  • Formação de arco de corda. Pode ocorrer caso seja liberada a polia A2 completamente de forma inadvertida junto com a polia A1. Essa complicação é rara e pode causar dificuldade para fechar o dedo e um tendão palpável na pele, pois não ha polia para mante-lo junto ao osso. Pode ser necessária uma nova cirurgia para reconstruir a polia A2
  • Rigidez. Pode ocorrer após qualquer cirurgia ou trauma na mão, mas nesse tipo de cirurgia é infrequente e facilmente prevenido com exercicios pós-operatórios (ver Six-Pack).

E o pós operatório?

Nos primeiros dois dias é feito um curativo alcochoado, mais volumoso para conforto. Deve-se evitar o uso das mãos, e mantê-la elevada na altura do coração. São utilizados medicamentos analgésicos de horário para evitar dor.

A partir do terceiro dia pode ser trocado o curativo por um menor e são iniciados movimentos dos dedos e punho para evitar rigidez. Clique aqui para conhecer os exercícios (Six-pack). O medicamento para dor deixa de ser usado de horário e é utilizado somente se houver dor. Pode ser iniciado o uso da mão para atividades leves, contanto que não cause desconforto. A mão pode ser lavada no banho, secada e trocado o curativo.

No momento que a ferida operatória está seca, sem saída de secreção, os germes não conseguem penetrar na ferida, portanto, não é necessário curativo. Mas deve ser mantida sempre limpa. No 15˚ dia são retirados os pontos. Com um mês é liberado o uso da mão sem restrições. Normalmente, não é necessária fisioterapia após a cirurgia.

Lembrando que esta evolução ocorre para maioria dos pacientes, mas cada pessoa é diferente e essas orientações podem mudar de acordo com a evolução do caso. Portanto, siga sempre as orientações do seu médico.